Segunda-feira, 29 de Dezembro

O Cerco dos Estados Unidos à Venezuela

Publicado em 29/12/2025 às 08:02
Ceres

Em 1823, o então Presidente dos Estados Unidos James Monroe estabeleceu uma política externa que ficou conhecida como doutrina Monroe, tendo como premissa a seguinte frase: " América para os americanos". Seu objetivo era impedir o avanço dos países europeus, principalmente o Reino Unido (Inglaterra), Bélgica e a França, os quais ainda promoviam a extensão territorial denominada neocolonialismo, em especial, nos continentes asiático e africano. Já a América Central e do Sul despertaram a cobiça do governo norte-americano. A expressão neocolonialismo se projeta a partir dos séculos XIX e XX após o advento da última revolução industrial ocorrida na Inglaterra, no qual a busca por matéria-prima era um fator muito importante para a consolidação do capitalismo, motivando países europeus a imporem seus domínios territoriais na África e Ásia (imperialismo). Além da exploração das riquezas minerais, os europeus usavam como motivação a "civilização" destes povos, considerando-os de certa forma, inferiores em razão de sua "raça" e prática religiosa, cujo conceito atualmente é categoricamente repreendido e contestado (Darwinismo Social), considerando o avanço da Ciência Humana e da Antropologia.

         Com relação aos Estados Unidos da América (EUA), seu crescimento econômico consolidou o país como uma potência econômica e militar, impondo sua posição como nação poderosa e dominante. A doutrina Monroe definiu pela persuasão a hegemonia norte-americana no continente americano, com ênfase na América Central, principalmente em Cuba, Nicarágua, Panamá e Porto Rico, sendo que este último foi incorporado pelos EUA, ocasião em que foi executada a política do "Big stick, fomentada pelo presidente Theodore Roosevelt (1901 a 1909), com o seguinte lema: "Falar manso e carregar um grande porrete". Na prática, usava-se a diplomacia, mas havia uma ameaça militar para validar o interesse americano e sua intervenção como uma espécie de polícia internacional na América do Sul, Central, como também o Caribe.

         No decorrer do século XX, o mundo passou mudanças geopolíticas expressivas em face das duas grandes guerras (Primeira Guerra Mundial: 1914 a 1918 - Segunda Guerra Mundial: 1939 a 1945), quando a Europa foi drasticamente arrasada e, em ambos os conflitos bélicos, os EUA foram de certa forma beneficiado com vendas em larga escala de armamentos e insumos e, no caso da Segunda Guerra Mundial, foi o responsável pelo investimento da reconstrução do Japão e dos países europeus destruídos, chamado plano Marshall. Embora tenha participado efetivamente no último conflito, seu território ficou intacto, pois as batalhas não alcançaram o continente americano em sua parte norte. Foram os EUA que explodiram duas bombas atômicas no Japão, nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, estimando a morte de aproximadamente 200 mil pessoas, não sendo possível definir o número exato de mortos. Na época deste ataque sem precedentes, não havia qualquer necessidade militar para tal tragédia, o Japão se encontrava militarmente destruído e com baixa capacidade operacional, mesmo assim, o então Presidente dos EUA Herry S. Truman decidiu pelo lançamento das bombas em agosto de 1945.

         Voltando a doutrina Monroe e a política do “Big stick”, o atual presidente dos EUA Donald Trump ressuscita a necessidade de intervenção estadunidense na América do Sul, tendo como alvo a Venezuela, alegando combater o narcoterrorismo estatal supostamente promovido pelo presidente Nicolás Maduro, ditador que vem promovendo um governo autoritário e com ações de perseguição a seus opositores, alienando os poderes constituídos do país. Há fortes indícios de que a eleição venezuelana para presidente ocorrida no ano passado (2024) foi sistematicamente fraudada. A Venezuela, que no passado foi reconhecida como um dos países mais ricos do mundo, hoje está literalmente em situação de miséria, passando por uma expressiva crise humanitária, sua população sofre com falta de alimentos e recursos básicos para a dignidade da pessoa humana. O principal recurso da Venezuela é o petróleo, o país possui a maior reserva do mundo, porém, a partir do governo de Hugo Chaves, com ideologia socialista, o desenvolvimento de programas governamentais assistencialistas sobrecarregam a economia venezuelana, concomitante a falta de investimento na infraestrutura e logística relacionadas à indústria petrolífera nacional, atualmente, é considerada o país mais pobre do continente sul-americano.

         O presidente Trump deslocou parte significativa de sua frota naval para a região do Caribe, onde se localiza a costa da Venezuela, seu principal porta-aviões, o USS Gerald Ford, acompanhado de submarinos e contratorpedeiros de elevado poder de fogo estão de prontidão, mais de 21 barcos de pequeno porte foram alvejados pela força naval americana, com 101 mortes, sob acusação de tráfico internacional. Até o momento, pelo menos três navios cargueiros que transportavam petróleo venezuelano foram capturados, colocando em alerta os principais parceiros comerciais da Venezuela: China, Rússia e Irã, elevando o risco de uma possível extensão do conflito. Os navios capturados fazem parte da frota fantasma, são embarcações de bandeiras falsas que transportam petróleo utilizando de subterfúgios para se evadirem do embargo e bloqueio impostos aos países que apoiam a Venezuela. Se por um lado os EUA atuam com práticas semelhantes a pirataria, se apropriando de maneira ilegítima de embarcações que trafegam em águas internacionais sem qualquer respaldo legal, ultrajando as leis internacionais, a empresa norte-americana Chevron aumenta sua participação na exploração do petróleo da Venezuela, um paradoxo difícil de explicar, mas reacende a especulação de que Trump deseja se apoderar do petróleo daquele país.

        Cercado e acuado, a retórica do presidente Maduro é imprevisível, sua compostura oscila conforme o nível de pressão estadunidense aumenta, fazendo teatros, às vezes implorando pela paz e em outro momento, exterioriza a força do povo local, a dita milícia bolivariana e exalta suas forças armadas para a defesa da nação. O pretexto de Trump ao justificar a repressão militar contra a Venezuela é o suposto envolvido do líder do país com o narcotráfico destinado aos usuários dos EUA, utilizando o argumento de combater organizações criminosas como o Cartel de Los Soles, segundo autoridades americanas, liderada por Maduro, cuja cabeça há uma recompensa no valor de 50 milhões de dólares.

Apesar de justificar a operação militar denominada "Lança do Sul" para neutralizar o tráfico de drogas da América do Sul para os Estados Unidos, a verdadeira intenção de Trump é a retirada de Maduro do poder e de alguma forma, obter vantagem no domínio territorial da região, principalmente porque a China tem aumentado exponencialmente seus investimentos em infraestrutura e no comércio na América do Sul, inclusive no Brasil. Os chineses estão determinados a expandir sua influência econômica em diversas regiões do mundo, criando um vínculo muito poderoso nas articulações de sua participação em várias modalidades, inclusive militar, eventos que têm contrariado os interesses americanos.

A China é a atual segunda economia do mundo e a terceira potência militar, competindo diretamente com os EUA, que aparentemente temem a ascensão chinesa. Por outro lado, a Rússia, em guerra com a Ucrânia e sofrendo severas sanções econômicas da maioria dos países europeus e dos EUA, ainda sobrevive e mantém sua capacidade financeira e militar ativa. Cuba, sem relevância estratégica, participa de um bloco composto pela China, Rússia e Irã em atividades de coordenação com a Venezuela, sobretudo, no comércio clandestino de petróleo e assistência militar, entretanto, o grau de envolvimento direto desses países diante de um ataque americano é duvidoso.

         O poder militar da Venezuela é limitado se comparado à capacidade dos EUA, o país possui caças SU-30MK e o sistema de defesa S-300 de fabricação russa, além de jatos F-16 americanos, mas é possível que estejam com capacidade reduzida, necessitando de manutenção e atualização. Há informações de que militares russos, cubanos e iranianos estariam na Venezuela a fim de articular um melhor implemento militar, mas não se sabe o nível de adestramento e capacidade das forças armadas da Venezuela.

         O Brasil, figura central do Sul Global, mantém uma política externa um tanto controversa, o presidente Lula preserva um alinhamento ideológico com Maduro, mantendo relativo apoio, porém, em contraste, não reconheceu a legitimidade das eleições passadas, mesmo assim, enviou representante diplomático para a posse de Maduro. Lula tenta obter status de negociador, no intuito de intervir na atual crise entre os EUA e Venezuela, no entanto, seu capital político e conceitual não lhe oferece poder e autonomia necessários para assumir um protagonismo de projeção. Sob outra perspectiva, considerando o cenário de um conflito armado, o Brasil pode sofrer consequências indiretas relevantes, tendo como principal fator o aumento desordenado do fluxo de refugiados venezuelanos, além de outras circunstâncias negativas no aspecto econômico e geopolítico, com expressiva probabilidade de complicação adicional ao tabuleiro regional.

 

Samir Lima Habach

Licenciado em Pedagogia

Formando em História

Pós-graduando em História da Guerra e Gestor de Segurança Pública e Privada.

 

 

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