Sexta-feira, 19 de Abril

Livro diz que, se o Estado não for reinventado, o Ocidente vai quebrar

Publicado em 08/03/2015 às 09:32

O livro “A Quarta Re­volução — A Corrida Global para Reinventar o Estado” (Portfolio Penguin, 296 páginas), de Adrian Wooldridge, editor da revista britânica “The Economist”, e John Micklethwait, diretor-geral da agência Bloomberg, é fundamental para compreender os tempos modernos, em termos políticos e econômicos. Quando o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), fala em “Estado necessário”, escandalizando alguns de seus aliados — que querem “inchar” a máquina pública para contemplar seus aliados com cargos comissionados —, mostra que está em sintonia fina com aqueles que querem um Estado funcional e mais barato para a sociedade.

 

O Estado ocidental, ao conceder vários benefícios para os indivíduos (não só para os pobres), se tornou “inchado”. “Nos Estados Unidos, os gastos públicos aumentaram 7,5% do PIB em 1913 para 19,5% em 1937, para 27% em 1960, e para 49% em 2011. (…) Em países ricos, a proporção média dos gastos cresceu de 10% para 49%”, afirmam Wooldridge e Micklethwait. O governo de Goiás, Estado habitado por 6,5 milhões de pessoas, gasta cerca de 60% de toda a arrecadação com a folha de pagamento de aproximadamente 150 mil funcionários públicos. Sem contar o custeio da máquina e o serviço da dívida. Sobra quase nada para investimento — o que obriga o Estado a se endividar para conseguir recursos com o objetivo de construir obras de infraestrutura.

 

Os autores do livro frisam que quase todos os grupos políticos querem agigantar o Estado. “A ânsia de aumentar os tentáculos do governo tem crescido tanto na esquerda quanto na direita, aquela exaltando a importância de hospitais e escolas, esta enaltecendo presídios, exércitos e polícias, e ambas multiplicando leis e regulamentos.” Eles destacam que “grande parte dos gastos públicos com bem-estar social se destina à classe média”. Não são apenas os pobres os beneficiados. “Os eleitores sobrecarregam o Estado com suas reivindicações, depois se enfurecem com seu mau funcionamento.”

 

“A Índia cresce à noite, enquanto o governo dorme”, afirma o analista Gurcharan Das, citado por Wo­oldridge e Micklethwait. Basta colocar Brasil no lugar de Índia e a frase continua perfeita. O autores mencionam o Brasil, apontando que manifestantes saíram às ruas, em 2013, contra a baixa qualidade dos serviços públicos e a corrupção. “O Estado está sob suspeita tanto nos países ocidentais avançados quanto no mundo emergente.” A China também começa a se preocupar com seu Estado gigantesco.

 

A quarta revolução significa mais ou menos o seguinte: “Restabelecer o controle sobre o Leviatã será o âmago das políticas globais devido à confluência de três forças: fracasso, competição e oportunidade. O Ocidente precisa de mudanças pois está prestes a quebrar. O mundo emergente [caso do Brasil e Índia] necessita de reformas para continuar avançando.

 

Dívidas e demografia são fatores que indicam que os governos dos países ricos têm de mudar.” Os governos estão arrecadando menos do que gastam. “O governo dos Estados Unidos só teve cinco superávits desde 1960; a França não produz um superávit desde 1974-75. O aperto só aumentou a dívida, já que os governos tiveram de tomar empréstimos. Em março de 2012, o total de títulos públicos em circulação era de mais ou menos 43 trilhões de dólares. No fim de 2001, esse total era de apenas 11 trilhões.”

 

Várias cidades do mundo estão quebradas. Detroit, município dos Estados Unidos, “chegou a pedir falência. (…) Na cidade americana de San Bernardino, o procurador-geral aconselhou a população a ‘trancar suas portas e carregar suas armas’, porque o município já não tinha condições de pagar a polícia”. No Brasil não é nada diferente. A diferença é que as autoridades não dizem — por receio de perder eleições — a mesma coisa do que afirmou o norte-americano.

 

“Na Europa, mesmo os políticos mais apegados ao consenso reconhecem que algo precisa mudar: a estatística preferida da premiê alemã Angela Merkel é que a União Europeia abarca cerca de 7% da população mundial, 25% do PIB mundial e 50% dos gastos sociais”, assinalam Wooldridge e Micklethwait. Só que agora não há mais colônias para bancarem o Estado do Bem-Estar Social europeu.

 

Reinventar o Estado, tornando-o mais enxuto, não será fácil. A batalha, preveem Wooldridge e Mick­lethwait, será “sangrenta entre governos falidos forçados a cortar serviços públicos, eleitores ressentidos querendo manter seus direitos sociais, pagadores de impostos que querem mais benefícios com o dinheiro que dão ao governo e poderosos sindicatos de servidores públicos que querem manter seus privilégios”. Os autores estão falando de Goiás e do Brasil? Na verdade, o problema é mundial. O governo francês elevou a idade da aposentadoria de 60 para 62 anos — o que levou milhões às ruas — e certamente terá de elevar para os 70 anos.

 

Depois do fracasso, os autores discutem a questão da competição. “Por causa de todas as suas frustrações com o governo, o mundo emergente começa a desenvolver ideias novas e impressionantes, reduzindo bastante a vantagem competitiva dos países ricos. Caso esteja em busca do futuro da assistência médica, a tentativa indiana de aplicar técnicas de produção em massa aos hospitais pode ser parte da resposta. Da mesma forma, o futuro das políticas de bem-estar deve se assemelhar ao sistema brasileiro de transferência de renda, que estabelece condições que devem ser cumpridas pelos beneficiários.” No caso do Brasil, a impressão que se tem é que Wooldridge e Micklethwait não entenderam bem ou foram mal informados sobre os programas sociais. Os programas sociais exigem quase nada dos beneficiários. Por exemplo: no caso da Bolsa Família, não há prazo para a pessoa deixar de ser beneficiada. Se há uma porta de entrada, não há, por assim dizer, uma porta de saída. No governo de Fernando Henrique Cardoso havia uma conexão entre assistência social e frequência escolar. No governo do PT, talvez por questões eleitoreiras, afrouxaram as regras. O Bolsa Família proporciona qualificação profissional, mas os beneficiários não são obrigados a usar os recursos oferecidos.

 

Wooldridge e Micklethwait anotam que “a Ásia, sob a influência chinesa, oferece um novo modelo de governo que desafia dois dos valores mais cultivados pelo Ocidente: o sufrágio universal e a generosidade de cima para baixo”. Lee Kuan Yew, governante de Singapura por três décadas, critica o que chama de democracia irrestrita do Ocidente e seus programas de bem-estar social, que, na sua opinião, “é comparável a um bufê liberado onde coisas que deveriam destinar-se aos pobres, como universidade gratuita, converteram-se em direitos da classe média, inflados e dispendiosos”. As melhores universidades brasileiras são públicas e gratuitas. Deveriam ser gratuitas até para os que podem pagar? É possível que, se pagassem, as universidades teriam mais recursos para investir em pesquisa e, mesmo, para melhorar os salários dos professores.

 

Os autores do livro sugerem que o Brasil deve passar por uma grave crise previdenciária, mas o governo não está tomando medidas para contê-la ou diminui-la.

 

A terceira força motriz da mu­dança é “a oportunidade de melhorar o governo”. “Novas tecnologias oferecem a chance de melhorar o governo radicalmente, mas para que isso aconteça é preciso, primeiro, voltarmos a velhas questões, incluindo a mais fundamental de todas: ‘para que serve o Estado?’”

 

Wooldridge e Micklethwait dizem que, “para Hobbes, a razão de ser do Leviatã era garantir a segurança. Para outros, a resposta era liberdade. Para os socialistas, era o bem-estar. Todos esses pensadores, porém, consideravam necessário responder a essa importante pergunta antes de partir para os detalhes práticos. Agora, essas questões são analisadas apenas no varejo. Os políticos hoje são como arquitetos que discutem as condições dos cômodos numa casa em ruínas, apressando-se em consertar uma janela aqui, outra acolá, sem jamais considerar as condições da edificação”.

 

O que os autores propõem é que o mundo reflita “em profundidade sobre a função adequada do Estado. O Estado moderno sobrecarregado é uma ameaça à democracia: quanto mais atribuições o Leviatã assume, pior as executa e mais enfurece as pessoas — o que as leva a exigir ainda mais ajuda. É o tempo da quarta revolução”.

 

A revolução — e não mera reforma — do Estado está acima das questões ideológicas. Pois o governo, de qualquer país, que não entender que é necessário fazer o que precisa ser feito, gastar menos e melhor, e só se faz isto se a máquina for menor, vai quebrar. A Grécia é o exemplo mais cabal. Mas o Brasil, que não está quebrado, enfrenta uma crise grave, com inflação crescente (descontrolada, aparentemente) e recessão batendo à porta. Alguns Estados, como Goiás, estão fazendo a lição de casa, mas a crise nacional vai atingir a todos, pois nenhum Estado é uma ilha. Noutras palavras, Goiás será atingido pela crise nacional mesmo tornando o governo mais enxuto e eficiente. E é preciso considerar que a crise política, somada à econômica, está paralisando o governo da presidente Dilma Rous­seff, do PT, e o país.

As três revoluções anteriores

 

No seu livro, Wooldridge e Micklethwait apontam, além da quarta revolução — em curso — mostrada acima, as três revoluções anteriores. “A primeira revolução ocorreu no século 17, quando os príncipes da Europa construíram Estados centralizados, e isso lhes trouxe vantagens em relação ao resto do mundo. (…) Os Estados nacionais se transformaram em impérios comerciais e, depois, em democracias liberais empreendedoras.”

 

A segunda revolução, dizem Wooldridge e Micklethwait, aconteceu “no fim do século 18 e durante o século 19, quando as revoluções americana e francesa acabaram se espalhando por toda a Europa à medida que as reformas liberais substituíam os sistemas de patronagem monárquicos por governos mais meritocrático e responsáveis. (…) Os liberais ingleses pegaram um sistema velho e decrépito e o reformaram desde o âmago, priorizando a eficiência e a liberdade. Eles ‘roubaram’ a ideia da China de ter servidores públicos civis profissionais, selecionados por concursos; atacaram o compadrio; abriram os mercados; e restringiram os direitos do Estado de subverter a liberdade. O ‘Estado vigia noturno’, ou o ‘Estado mínimo’ proposto por John Stuart Mill e outros era ao mesmo tempo mais enxuto e mais competente”.

 

A melhoria das condições de todos os indivíduos, tratando-os como cidadãos, “pavimentou o caminho para a terceira grande revolução: a invenção do moderno Estado de bem-estar social”. (Do Jornal Opção)

 

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