Quinta-feira, 28 de Março

Carta aberta ao presidente Michel Temer, de um produtor de Rialma

Publicado em 26/05/2018 às 09:17

Caro Senhor Presidente, é com muito respeito que venho falar em nome dos agricultores e pecuaristas desta nação.

 

Como é do conhecimento de todos, o país se encontra, literalmente, paralisado pela manifestação dos caminhoneiros, que já está no 4º dia.

 

É mais do que sabido que o transporte rodoviário é o principal meio de escoar tudo o que é e que ainda será produzido em nosso país. Leva peças às montadoras, leva insumos e matérias primas às fábricas e leva COMIDA às mesas dos brasileiros. E é exatamente disso que venho falar.

 

Talvez o tempo ainda não tenha sido suficiente para que a falta de alimentos chegasse às prateleiras dos supermercados e, consequentemente, às mesas dos brasileiros, mas os efeitos de tudo isso já são fortemente sentidos por nós, produtores. Nós, que por longos meses nos dedicamos à produção, vemos, agora, momento de colheita, o resultado do nosso (nada fácil) trabalho no campo começar a ser descartado à beira das rodovias onde se encontram parados os caminhões que deveriam estar levando nossa produção aos Centros de Distribuição ou aos grandes portos para seguirem para exportação.

 

No caso deste produtor de melancia que vos fala, especificamente, foram 5 meses de trabalho entre preparar a terra, plantar, cuidar, cultivar e, finalmente, colher. Destes 5 meses de empenho, resultou uma roça que hoje conta com quase 1.500 toneladas de fruta da mais alta qualidade. São quase UM MILHÃO E QUINHENTOS MIL QUILOS de COMIDA que serão descartados caso as vias não sejam liberadas a tempo de escoar toda essa produção antes que ela apodreça sem ser ao menos colhida. Exponho estes números e acrescento que a minha produção, que não é das maiores, é apenas uma entre tantas aqui nesta região. Tantas outras, de tantos produtores que hoje se veem na mesma condição de dificuldade e impotência em que me encontro.

 

O desperdício de todo esse alimento não representa somente um prejuízo financeiro para mim, que dediquei muito tempo e dinheiro para obter essa safra. Perder esta colheita significaria uma grande dificuldade em pagar os quase 20 funcionários fixos que mantenho em minha lavoura, além de tantos outros trabalhos indiretos que minha roça movimenta. Significaria, ainda, impossibilidade de continuar contribuindo com a economia local do pequeno município onde hoje se encontra minha produção.

 

Significaria, principalmente, a perda da principal fonte de sustento minha e de minha família. Alimentos são altamente perecíveis, já saem do seu local de produção com definição de prazo limite para chegar ao destino e, ao passar dias parados dentro dos caminhões, certamente terão seu prazo de validade vencido.

 

Por isso, Excelentíssimo, já é comum ver cargas inteiras sendo descartadas por terem se tornado impróprias para o consumo: são frutas, legumes, vegetais, laticínios e até mesmo carga viva que tiveram um alto custo para serem produzidos e que jamais chegarão a alimentar uma pessoa sequer. Meses de trabalho. Milhões em investimentos. Toneladas em descarte. Chega a ser cruel ver tanto desperdício em tempos em que a fome ainda mata. Por todo o exposto, a implacável lei da oferta e da procura já se estabeleceu e agora, os produtos que ainda não estão em falta, já tem seus preços elevados em demasia, a exemplo do informado pela Ceagesp, maior distribuidora de alimentos frescos da América Latina: o saco da batatas passou de cerca de R$ 70 para R$ 200,00.

 

 E este é apenas um único exemplo, caro Presidente. O praticado aumento de valores já causa um impacto muito negativo, mas o pior, a falta dos produtos, começa, também, a trazer seus efeitos: trabalhadores em todo o país paralisados por não haver meios de trabalho nas indústrias, alterações estruturais como o comprometimento da circulação dos transportes coletivos, Correios com todo o serviço de entregas parado, hospitais com atendimento reduzido por falta do recebimento de medicamentos, e até mesmo a aviação sai prejudicada por não receber o querosene de que precisa para voar.

 

Se não estamos diante do caos, de uma crise profundamente estrutural, não sei como pode ser nomeada essa situação em que nos encontramos. Jamais, ao longo dos 30 anos de vida que tenho dedicado a agricultura, vi algo semelhante. Oportuno é lembrar que a mesma agricultura para qual me dedico foi, no último ano, responsável por quase 25% do Produto Interno Bruto Brasileiro. Um grande prejuízo neste setor representa um grande prejuízo para o país inteiro. Muito tem se debatido sobre a escassez de combustíveis que se dará em razão das paralizações, veículos tem formado filas quilométricas nos postos em busca de abastecimento, ônibus coletivos tiveram a circulação restringida nos principais centros urbanos em função de não ter tanto óleo diesel disponível.

 

No entanto, Senhor Presidente, mesmo esta já causando um importante impacto negativo, ainda não é a pior escassez que enfrentaremos. A pior, certamente, será quando nosso povo não tiver mais com o que se alimentar. Por vários motivos, respeitamos a luta colocada pelos caminhoneiros. São eles os parceiros que transportam os frutos do nosso trabalho. São quem mais sentem os impactos dos constantes reajustes no valor do combustível. São os responsáveis por manter nossa economia girando, e a prova disso é o verdadeiro caos que se instala com a suspensão coletiva da prestação dos seus serviços, e hoje, excelentíssimo Presidente, em nome dos agricultores e pecuaristas, venho somar nosso APELO ao dos caminhoneiros e pedir que, em conjunto com as demais autoridades competentes, olhem pelo que está sendo reivindicado. Cedam aos pedidos. Façam um acordo que seja efetivamente eficaz, e não uma mera medida paliativa e temporária.

 

O clamor não vem só das rodovias, caro Presidente. Vem das cidades e, principalmente, DO CAMPO que alimenta os brasileiros, que carrega o país nas costas em tempos de crise, que gera milhares de empregos, mas que hoje AGONIZA pela impossibilidade de escoar as toneladas produzidas. Na certeza de estar contribuindo da melhor maneira possível para o crescimento do país, me despeço e me mantenho na espera de uma solução para o exposto.

 

Ernan Lizandro de Miranda Produtor de Melancia - Total Frutas (Rialma).

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